quarta-feira, 13 de abril de 2011

Inovando

Esta, agora, em redondilha maior:

Canto à primavera

J’aime, et je veux sentir sur ma joue amaigrie
Ruisseler une source impossible à tarir.
                                                  A. DE MUSSET

Na primaveril aurora
Como enleva o descansar
Sentindo os raios de sol
Que a face põem-se a banhar
Quando a brisa matinal
Nas sombras do laranjal
Desta primavera austral
No rosto vem passear!

Quisera a dama-da-noite
À luz do esplendor do dia
No outono, verão ou inverno
Florir como ora se espia;
Tão logo o inverno se encerra
Não fosse esta primavera
Que a flora recompusera
Emurchecida seria!

E como no balouçar
Duma rede e o cortinado
De nuvens bem alvadias
À noite me vejo alçado;
Decerto co’assaz beleza
Defronte da natureza
Cantigas lá de Veneza
As aves têm ensaiado!

E quando co’ímpeto ondas
À flor da areia embalavam
Na tarde que desfalece
Mais poesia inspiravam;
Ouvindo-as nos recitais
Com as velas nos castiçais
Mancebos tais sem iguais
À primavera saudavam!

Abril 2011

segunda-feira, 4 de abril de 2011

De volta ao século XIX!

É evidente que tenho remado contra a maré. A preocupação formal nos versos nunca foi tão old-fashioned como o é hoje, suplantando até a breguice de se usar estrangeirismos. Parece que os versos brancos e livres, junto às muitas temáticas atuais que associam subjetividade a assuntos mirabolantes, instauraram um regime totalitário no Reino da Poesia desde que assumiram seu trono, durante revoluções nas quais subdesenvolvidos conseguiram vencer os desenvolvidos; e, desde esses triunfos, ordenaram à guarda real ser proibida a entrada de qualquer obra que remetesse aos contra-revolucionários, isto é, que contivesse traços tradicionais do fazer poético dos séculos anteriores. Ah, contra-revolucionários! Quem dera o fossem! Dizem que o calor, ao sabor do caminhar das patinhas dos vermes sobre suas faces, justamente a realidade encontrada nos túmulos do Brasil e, geralmente, por aí afora, serviu-lhes de inspiração; renunciaram o bom combate e deixaram-se sepultados, entornando amores, sentimentos, e descrições nas folhas que restavam, tendo de leitora a magnífica terra, um dos quatro elementos do universo!
Que honra deve lhes ter sido tê-la de todo ouvidos.

***

De qualquer forma, seguirei fazendo, muito obviamente, o que gosto. Como disse Waldo Motta:

“Não quero ser poeta de que todos se orgulham. Descaradamente confesso a quem interessar possa: Quero é ser a vergonha da província e da república.”

***

Influenciado, entre outros, mas principalmente por Álvares de Azevedo, fiz "Índia". Segui a temática muito bem trabalhada por ele, além de incorporar à poesia o esquema de rimas (ABCB) muitas vezes visto em sua obra relativamente longa. Falando em preocupação formal, não poderia ter esquecido da métrica. Novamente os versos decassílabos consomem todas as estrofes... Voltemos ao século XIX.




Índia      

Como é ligeira, índia das campinas!
De doce aroma inunda a mata bela...
E sob o infalho alvejar da lua
Beijava o vento as negras tranças dela

Deixai que colha os ramos! Deixai ela   
No mar de rosas languidez cheirosa
Sentir roçar-lhe o coração gelado...
Sentir purpúrea sua tez formosa!

E de seus lábios, no fulgor aéreo
Da tenra lua em nuvens d’alvorada
Fluíam segredinhos aos jasmins...
Por alguém certamente enamorada!

Banhava-lhe de certo enlevo a íris
Da aveleira a avelã já tão vistosa...
Oh! Não me encares co’esse teu olhar
Flor d’esperança – morrerei nas rosas!

Quem me dera, meu Deus! Se no ocaso
Se na saudade do arrebol um dia...
Adormecesse no meu peito morto
A fronte jambo dessa moreninha!

Jazia só, e o cintilar da lua
Lembrando as noites de febris paixões
Gentis amores fê-la derramar
No leito agreste das consumações...

E suspirando a rude brisa morna
Que os céus enviam ao sol do meio-dia
Da relva mole faz seu travesseiro
Beija-lhe o sono as pálpebras sombrias...

Que me resta, meu Deus! É triste alento
O tempo que verti a contemplando...
Sonhava mais! Talvez um beijo apenas
Fosse o bastante e eu morreria amando!

Abril 2011